sábado

Dois terços dos navios são operados diretamente por companhias estrangeiras

Está tomando corpo a mobilização da hotelaria para combater a concorrência predatória dos navios estrangeiros que realizam cabotagem no litoral brasileiro durante a alta estação, afetando todos os meios de hospedagem nacionais. Depois de diversos editoriais do Jornal de Turismo sobre o tema, que resultou até em um embate com a Abremar, já está ficando bem mais claro para a classe política e aos formadores de opinião, a gritante diferença entre cruzeiros marítimos internacionais, aqueles que trazem turistas estrangeiros e que são benéficos para o país, e a cabotagem de navios estrangeiros que aportam aqui na nossa alta estação, que só este ano deverá desviar quase 300 mil passageiros do turismo doméstico.
Isso mesmo, do turismo doméstico, já que quando um brasileiro sobe a bordo de um desses navios está pagando tudo em dólar e este dinheiro é remetido ao exterior.
Ao se colocar a luz neste negócio, descobre-se cada vez mais argumentos que demonstram o efeito nocivo desta atividade para o país, não apenas na evasão de divisas, como também no bombardeamento da saúde da nossa hotelaria.
Dos quinze navios que estarão aportando no litoral brasileiro, só cinco serão fretados por uma empresa brasileira e terão a sua operação dentro de um investimento de capital nacional, operando dentro de critérios de nacionalização que incluem até o risco da operação. Nestes cinco casos, cabe ao fretante brasileiro, no caso a CVC, toda a operação, e as vantagens para o passageiro incluem até o serviço de all inclusive, ou seja, o open bar e todos os consumos a bordo. A legislação trabalhista é plenamente obedecida e o índice de nacionalização dos shows, programações artísticas, diretor de cruzeiros e staff é total. O navio está sob a regência do fretante e se houver lucro na operação o dinheiro fica no Brasil. É muito semelhante com o fretamento de aeronaves comerciais.
Já dois terços da frota estarão sob responsabilidade dos próprios armadores, que descobriram o paraíso no Brasil para colocar os seus barcos quando o hemisfério norte está sob um rigoroso inverno e os navios ficavam sub-utilizados. São barcos que oferecem planilhas que desafiam a lógica. Cobram aparentemente superbarato pela cabine e chegam a oferecer de graça a terceira pessoa e, quando o passageiro está a bordo, este tem que pagar U$ 3,5 por uma garrafa de água mineral. Nestes casos a receita de extras sempre é altíssima e tudo é pago em dólar ou no cartão internacional, como se estivesse no exterior.
A redução das vagas para brasileiros está chegando à área do entretenimento. A Ordem dos Músicos e o Sindicato dos Artistas devem ficar de olho para o crescente número de estrangeiros que são contratados para se apresentar a bordo. Quando o navio zarpa, no mesmo momento que abrem as portas dos cassinos a bordo e os estrangeiros começam a se apresentar, teoricamente estão em águas internacionais e não ficam sujeitos às leis brasileiras.
Finalmente o assunto começa a ganhar espaço em outros veículos da imprensa especializada, que apostam em medidas salomônicas. Acabam na realidade se distanciando do elemento básico do jornalismo, que é o fato e o registro da realidade. Nesta temporada não serão 15 navios? Dez deles não estarão sob operação 100% estrangeira? Não há evasão de divisas? A hotelaria brasileira não está sentindo na carne o efeito dessa concorrência predatória? Desses navios não são apenas cinco que estão sob contrato de fretamento?
A idéia de estabelecer uma centralização do debate no Ministério do Turismo é oportuna, todos os lados já aceitaram um debate, principalmente quando ele se torna inevitável. Dirigentes oficias do turismo já concordam com a tese da reserva de uma cota de cabines para ser vendida a não residentes, obrigando as companhias estrangeiras a usarem sua força de venda no exterior para atrair turistas estrangeiros.
O que a hotelaria defende é legítimo. Será inevitável que o tema migre para uma esfera de decisão maior, principalmente porque a janela que será aberta com a chegada dos 15 navios dará uma visibilidade ao assunto na própria mídia e os portos se transformarão em um excelente palco para manifestações e panfletagens.
Cabe à mídia especializada, que, por ser especializada, tem um importante papel nesta questão, informar corretamente. Principalmente quando o pivô da questão é a desinformação. O Jornal de Turismo sabe que seu papel é o de colocar o foco sobre os fatos e não podemos concordar com a tese de que a hotelaria deveria assistir calada a migração de seus hóspedes para concorrentes estrangeiros que promovem evasão de divisas. Faz parte do mundo moderno e democrático o direito de reclamar, principalmente quando o cenário armado prejudica o país e as empresas brasileiras.