segunda-feira

Vaspeanos pilotam hoje a aviação brasileira

Jornal de Turismo Edição 568

Ex-funcionários da Vasp são maioria no comando da TAM e da Gol

por Cláudio Magnavita*

Durante o período que a Vasp era estatal, muitos se perguntavam como seria a companhia aérea se o comando da empresa fosse entregue ao seu corpo técnico. E isso, sem passar pelo rodízio de diretores políticos que eram indicados a cada mudança no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, até então o principal acionista da empresa.

A companhia aérea sempre teve um corpo técnico exemplar e capaz de manter a empresa viva, apesar da alternância de presidentes e diretores políticos. Quando assumiu o controle da companhia, depois de um polêmico processo de privatização, o empresário Wagner Canhedo encontrou nos quadros da Vasp os melhores técnicos do mercado e teve musculatura para uma expansão internacional rápida. A companhia, com isso, pôde mostrar que possuía uma cultura sólida.

A Vasp estatal foi responsável pela introdução, em 1969, da frota padronizada dos Boeings 737-200, que viraram Super Advance graças às recomendações dos técnicos de manutenção da empresa paulista para o fabricante, dos inesquecíveis 727-200 e também dos primeiros Airbus no Brasil (o A300K). Foi pioneira em diversas ações, como o seu sistema próprio de reservas informatizado, do primeiro ticket print, de um centro de treinamento com simulador próprio e de um parque de manutenção que fazia inclusive a revisão dos 737 da Presidência da República.
A empresa sucumbiu na mão do acionista por conta de uma confusa engenharia financeira e chegou a ter uma sobrevida exatamente pela capacidade técnica do vaspeano. No fundo, a cultura de segurança e qualidade técnica dos pilotos e da manutenção da Vasp atingia a mesma qualidade da Varig. As duas empresas tinham dimensões diferentes – a estatal sempre teve o seu crescimento represado pelo lobby político da principal corrente, mas eram similares na disciplina quase militar das suas operações.
Quem olhar com profundidade o atual panorama da aviação brasileira irá descobrir que foi exatamente o DNA de aviação de alto nível da Vasp que sobreviveu através de seus funcionários exemplares.
O que ocorreu agora com a TAM é um exemplo disso. Com o seu novo dirigente maior, o comandante David Barioni Neto no cargo de presidente, uma equipe de vaspeanos passou a dominar a aviação brasileira.
Barioni e a equipe que levou para a TAM é toda oriunda da Vasp estatal. No primeiro escalão da companhia fundada pelo comandante Rolim, estão, além de Barioni, o comandante Jorge Isaac Gabriel Filho, que é o vice-presidente técnico e o comandante Fernando Sporleder, que assumiu a vice-presidência de Operações. A esse grupo junta-se outro vaspeano de carteirinha, Wagner Ferreira, vice-presidente comercial, que aliás, foi o primeiro a migrar para a TAM, através de uma visão premonitória do próprio comandante Rolim, que o tirou pessoalmente dos quadros da Vasp para dirigir a área comercial da TAM.
O que pouca gente lembra é que a própria TAM tem o seu DNA na Vasp. O comandante Rolim Amaro, além de ter trabalhado na Viação Aérea São Paulo, teve a companhia como sócia na transformação da Táxi Aéreo Marília em empresa regional. Neste período, a Transbrasil virou sócia da Nordeste e a Varig da RioSul.
O impressionante é que o nível de sinergia desta equipe, que agora comandará a TAM, ou seja, a maior empresa aérea do País, vem desde da época da Vasp,ou seja, estão juntos há pelo menos 20 anos.
Se o mercado olhar para o lado, verá que o DNA Vasp também está presente na Gol. Foi do quadro da empresa paulista que saiu o primeiro grupo de executivos e pilotos, formado pela equipe que agora migrou para a TAM. Hoje, no quadro diretivo da companhia da família Constantino, encontram-se, em três vice-presidências, os vaspeanos: Tarcísio Gargioni, Wilson Maciel Ramos e Fernando Rockert de Magalhães, além do diretor de planejamento Maurício Emboaba Moreira. Como a Varig está subordinada a Gol, chega-se à conclusão que a nova empresa também está sob a regência de vaspeanos.
Esta sincronicidade de expoentes do quadro da Vasp que agora, juntos, comandam as duas maiores empresas aéreas do país, comprova que a Viação Aérea São Paulo foi um dos maiores celeiros de talentos da aviação brasileira. Uma escola que ensinou a driblar as dificuldades, que entre elas estavam o forte arrocho promovido pela empresa líder (a Varig) e as mudanças diretivas, de quatro em quatro anos, com as trocas nos governos do Estado de São Paulo. Este corpo funcional manteve a empresa blindada de interferências políticas até a sua privatização.
Se a Vasp foi tragada a uma recuperação judicial pela gestão do seu acionista privado, o seu corpo técnico não só sobreviveu, como hoje predomina no comando da aviação brasileira, fato que não ocorreu na antiga Varig devido ao ceifamento permanente de cérebros e a antropofagia de suas disputas internas nos últimos 12 anos.
Só quem viveu a emoção do jingle “Atenção! Você com essa ficha na mão... Dirija-se ao portão... Embarque neste avião...” e que finalizava com “A Vasp abre suas asas com ternura... Para você ganhar altura!!! Viajar!!! Voar!!!” sabe o que poderia ter sido a história da aviação brasileira se a privatização da Vasp tivesse sido feita de outra forma e que coubesse aos próprios vaspeanos comandar os destinos. Hoje, com algum atraso, a aviação brasileira está verdadeiramente nas mãos de uma elite, que foi criada pela grande escola que foi a Vasp estatal. Além dos dirigentes citados neste artigo, existem milhares de outros vaspeanos, que ocupam os cockpits das aeronaves destas mesmas empresas, também como comissários ou em centenas de funções. A Vasp foi uma grande escola e agora, com a posse de David Barioni na presidência da TAM, este fato ganha maior visibilidade. Esta é uma história que precisa ser resgatada.
*Cláudio Magnavita, é diretor do Jornal de Turismo e trabalhou na Assessoria de Comunicação da Vasp (SAODR) de 1979 a 1985.