segunda-feira

Além do Fato: Denúncias de brigadeiro exigem resposta

23.maio.2005 - Cláudio Magnavita*

A ingerência política em alguns setores do serviço público, principalmente os ligados a aviação, é extremamente perigosa. O loteamento e a nomeação para cargos utilizando critérios político-partidários podem colocar em risco atividades públicas que exigem capacidade técnica e especialização. Dois setores ligados a aviação comercial cresceram no Brasil sem nunca terem sofrido interferências. Imunes historicamente às pressões político-eleitorais, a Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (Infraero) e o Departamento de Aviação Civil (DAC) aprenderam a dizer “não” e se transformaram em referência internacional, ganhando conceito de seriedade e servindo de exemplo para vários países.
O clima de caserna e o rígido sentimento de serviço público sempre foram a marca dessas duas entidades. Hoje, porém, o país assiste passivamente o desmonte desses princípios espartanos e, também passivamente, vê uma dessas instituições passar por um processo perigoso de mutação. A Infraero, loteada politicamente, passou a ter novos assessores, que, em contraste com os funcionários de carreira, não batem ponto e não conhecem profundamente a realidade aeroportuária.
Os cargos de comissão já superam duas centenas em todo o Brasil, com salários altos e atividades que fogem do seu objetivo. Um contraste gritante com os funcionários de carreira e que ajudaram historicamente a construir a estatal. A greve dos aeroportuários teve como estopim as disparidades salariais entre os funcionários de carreira e os assessores nomeados.
Soma-se a isso, um fato significativo que sinaliza publicamente o que pode estar ocorrendo e aponta as graves seqüelas que isto pode gerar. Trata-se de uma polêmica carta de demissão assinada pelo brigadeiro Edilberto Teles Sirotheau Corrêa, ao se desligar da Superintendência de Segurança Aeroportuária da Infraero no final de abril. Muito mais do que um desabafo, o documento é um atestado do seu incorformismo e ganha peso pela exemplar carreira do subscritor.
O brigadeiro Sirotheau afirma na sua carta de demissão: “a frustração de não haver conseguido os meios necessários para estruturar e operacionalizar as atividades de Segurança Aeroportuária, acrescento a minha discordância em relação à atual Política de Gestão da Empresa, que degradou ao extremo a sua condição econômico-financeira. Dentre outras opções equivocadas, aponto a obsessiva prioridade que vem sendo dada às ações e obras que proporcionem visibilidade, em detrimento das necessidades operacionais e do funcionamento normal dos aeroportos, o que poderá resultar, em futuro próximo, em ocorrências graves em alguns deles.”
Para atender normas internacionais de segurança, a Infraero deveria ter realizado pesados investimentos na aquisição de scaners que controlam a entrada e saída de veículos, cargas e bagagens. Nada disso foi realizado e o prazo internacional para que o país adote estas medidas termina em janeiro de 2006. O alerta do brigadeiro deve ser visto com muita atenção, principalmente quando afirma que “poderá ocorrer, em futuro próximo, ocorrências graves em alguns aeroportos”.
O volume de obras nos aeroportos é classificado pelo brigadeiro Sirotheau como obsessiva prioridade da Infraero, que opta por investimentos que proporcionem “visibilidade” em detrimento das necessidades operacionais e o funcionamento normal dos aeroportos. São acusações sérias e merecem uma reflexão profunda por parte do primeiro escalão da empresa. Se houver silêncio é possível que o mercado aceite como verdade absoluta o que foi escrito pelo brigadeiro. Se a visão dos gestores for diferente, é necessário que respondam com veemência o documento que se tornou público, até para maior tranqüilidade dos usuários do setor aeroportuário. O presidente Carlos Wilson Campos tem um nome e uma reputação de bom administrador a zelar, portanto, não pode ficar passivo diante das manifestações do seu ex-auxiliar.
Imersa em uma turbulência administrativa que inclui um movimento grevista, que segundo o Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina) já atingiu no início desta semana 70% dos funcionários, levando os aeroportos brasileiros a trabalharem no limite da carga operacional do quadro de serviço, a estatal terá de reajustar as tarifas de embarque para cumprir com as exigências da Organização de Aviação Cívil Internacional (OACI). O usuário terá de pagar do seu próprio bolso pela opção da atual administração da estatal, que como protesta o brigadeiro Sirotheau, preferiu dar prioridade “obsessiva” às obras de “visibilidade” que estão transformando os nossos aeroportos em verdadeiros shoppings centers.
*Presidente Nacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e Membro do Conselho Nacional de Turismo

Além do Fato: Paradoxos do governo na aviação comercial

04 de maio de 05 - Cláudio Magnavita*

A Varig está presa a uma rede de paradoxos. O primeiro deles representa um quadro onde, de um lado, a companhia atinge todos os recordes de pontualidade, apresenta um balanço com lucro operacional de R$ 430 milhões e os seus aviões decolam lotados para o exterior. Do outro lado, o governo, como poder concedente, não move uma palha para ajudá-la e exige uma solução de mercado para a companhia.
Como não sinaliza um mínimo de boa vontade com a empresa, é o próprio governo que dificulta a solução que defende. A sua passividade acaba desmotivando os investidores.
Um outro paradoxo, ainda mais grave, também tem o próprio governo como personagem. O Superior Tribunal de Justiça, ao dar ganho de causa à ação de R$ 3 bilhões da Varig contra a União, no caso do congelamento tarifário, está contribuindo para uma solução de mercado. Trata-se da correção da interferência do governo federal nas tarifas aéreas durante o governo Sarney. Os aviões, mesmo que decolassem completamente lotados, voavam com prejuízo. A União defende uma solução de mercado, tem essa solução nas mãos, outorgada pelo STJ, mas não faz a sua parte.
Além de lavar as mãos no caso da Varig, o governo federal está voltando a agir como algoz, colocando novamente a Infraero como seu instrumento de pressão. Nos últimos dias a estatal voltou a sangrar novamente o seu principal cliente, impondo regras e negociações do passivo, como se desconhecesse o esforço de recuperação que toda a companhia faz, isto mesmo, toda a companhia, já que são os funcionários dos mais diferentes níveis que estão fazendo a sua parte para que a empresa sobreviva.
O governo federal age como se estivesse dividido. É como se metade estivesse pró-Gol e a outra metade estivesse pró-TAM.
É como se o grupo pró-Varig só fosse formado pelos seus funcionários, que mantêm os níveis de eficiência acima do mercado e pelos passageiros, que fidelizados pelos excelentes níveis de segurança e confiabilidade da companhia, não abrem mão de um vôo tranqüilo e pontual.
Finalmente, o paradoxo maior é criado também pelo próprio governo, ao afirmar publicamente que “não há crise na aviação brasileira e que, se ela existe, é de uma única empresa, a Varig”. A afirmação é fruto de uma miopia de realidade e parece beirar a irresponsabilidade.
Se os R$ 8 bilhões faturados pela Varig em 2004 representam 62% da receita de todas as companhias aéreas brasileiras, se o faturamento da Varig é superior ao da TAM e da Gol juntas, se a companhia detém 82% dos vôos internacionais das empresas aéreas brasileiras, fica no ar uma questão: a crise na Varig não é uma crise na aviação comercial brasileira?
O governo tem que agir e parar de sinalizar ao mercado que só consegue enxergar a crise através da ótica das duas empresas que concorrem diretamente com a Varig e não negam o seu apetite em ocupar o seu lugar.
O governo Sarney foi condenando anos depois por ter congelado as tarifas e o governo Lula poderá ser, no presente, condenado por ter criado o maior colapso da história da aviação comercial brasileira.
*Presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e membro do Conselho Nacional de Turismo

Um novo olhar sobre a Fundação Ruben Berta

27.06.05

Durante uma coletiva de imprensa realizada no Salão Ícaro da Varig no Rio de Janeiro, no último dia 17 de junho, uma pergunta cruzou o ar como uma flecha:
- Presidente, o senhor não acredita que está existindo uma verdadeira satanização da Fundação Ruben Berta, quando o mercado a coloca como principal responsável pelos problemas que a Varig enfrenta?
A pergunta foi direcionada ao presidente do Conselho de Administração da companhia, David Zylbersztajn, que concedia a sua primeira entrevista coletiva no novo cargo. Ao seu lado estava o presidente executivo Henrique Neves e o advogado Sergio Bermudes, que acabavam de anunciar a adesão da empresa à nova Lei de Recuperação Fiscal.
Os curadores da Fundação, alojados no fundo do salão, aguçaram os ouvidos para ouvir a resposta de Zylbersztajn, que se limitou à frase:
- Quando assumimos a Varig, resolvemos olhar para frente e arrancamos os espelhos retrovisores.
O jornalista que fez a pergunta sabia do que estava falando. No domingo seguinte, uma reportagem de página inteira no Estado de São Paulo trouxe o título Varig, uma crise com vários vilões. No texto, ele buscou o testemunho isento de ex-presidentes da companhia, entre eles Osires Silva, que afirma que o grande culpado pela crise da Varig é o governo federal. A Varig tem 78 anos e passou por diversas mudanças de planos econômicos. Dizer que a Fundação é culpada é uma imensa injustiça.
Sendo proprietária de 87% das ações da Varig, nos últimos anos a Fundação tem sido apontada como a grande vilã da atual crise da companhia. Até o também ex-presidente Arnim Lore afirmou ao jornalista Alberto Komatsu, do jornal O Estado de São Paulo, que o que está sendo feito é uma caça às bruxas: procura-se o culpado e não a solução.
David Zylbersztajn perdeu uma boa oportunidade para dar a sua contribuição na eliminação da cortina de fumaça de equívocos que turva a percepção da verdadeira imagem da Fundação. Logo ele, que foi contratado pelos Curadores e recebeu carta branca para solucionar os problemas do passivo da Varig.
É preciso deixar bem claro ao mercado que a Varig possui dono. Ela pertence a todos os seus funcionários e o controle se manifesta em um instrumento de vanguarda implantado por Ruben Berta em 7 de dezembro de 1945, quando foi lavrada no 3º Cartório de Notas de Porto Alegre a escritura pública da Fundação dos Funcionários da Varig.
Em um país de injustiças sociais e com um capitalismo selvagem, a Fundação dos Funcionários da Varig representou durante décadas um instrumento socializante do lucro. Durante o período dourado da aviação, os benefícios socializados contribuíram para a formação de um quadro funcional altamente qualificado e de baixíssima rotatividade. Quem nascia variguiano morria variguiano. Para a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziela Baggio, deveria-se respeitar a relação empresa-funcionário-empresa estabelecido de forma pioneira pela empresa.
Nos últimos 10 anos o processo mudou. A criação, em 1995, no início da enfermidade financeira da empresa, da figura do Conselho Curador é que criou uma profunda distorção do sistema de gestão. Até então, o presidente da Varig era o presidente da Fundação e do Conselho de Administração. A instância maior de decisão era o Colégio Deliberante, um verdadeiro parlamento, formado por mais de 100 funcionários, eleitos pelo critério de antiguidade e competência.
Com a crise, já provocada pelo congelamento tarifário e a concorrência predatória estabelecida no governo Collor, surge uma mudança de estatutos da Fundação e é criado o Conselho de Curadores, formado por sete membros, que deveriam agir como acionistas, cobrando dos executivos da empresa uma performance lucrativa. Os papéis são divididos. Os curadores de um lado e do outro a administração do sistema social da Fundação, por uma enorme gama de benefícios e assistências sociais, suplementando muitas vezes (principalmente na área médica) obrigações que caberiam ao Estado.
O foco do problema está nesta nova figura jurídica, o Conselho de Curadores, que agindo como acionista passou a ter o direito de escolher de forma soberana o Conselho de Administração das empresas controladas e esse, por sua vez, os executivos. O foco do conflito que acaba satanizando a Fundação é exatamente esse.
A Fundação é responsável hoje por zelar por mais de 85 mil vidas. Tem uma folha de serviços prestados no social que mereceu reconhecimento internacional. Ela honra os princípios do seu fundador, que acabou com o seu falecimento em 1966, emprestando-lhe o próprio nome. (C.M.)_

Além do Fato: A crise na Varig - Conselho é foco de conflitos

27.06.05

Para tomar esta medida, prevista desde que a nova Lei de Falências entrou em vigor, não precisava convocar nenhum grupo de notáveis. Nunca houve crise de credibilidade para a marca.
O problema na destruição da imagem da Fundação Ruben Berta foi não separar a sexagenária instituição beneficente, de uma medida casuística que foi a criação do Conselho de Curadores, instituído apenas em 1995. Formado por sete membros, o Conselho trouxe para si uma responsabilidade que destoa da legitimidade de um Colégio Deliberante, este sim, concebido pelo próprio Ruben Berta. A instância maior de poder é o Colégio formado por funcionários eleitos democraticamente, um verdadeiro parlamento.
O Conselho Curador surgiu há apenas uma década e tem sido o foco de conflitos entre executivos e acionistas. Cada mudança de presidente assume colorações de golpe de estado. O problema é agravado quando os curadores exercem funções de segundo e terceiro escalão na empresa e subvertem a hierarquia cortando a cabeça dos seus chefes. Não há estrutura que resista à insubordinação de cabos e sargentos.
Insubordinação que resultou até em peitar o governo federal, quando nas vésperas da eleição do novo Conselho o próprio vice-presidente da República ligou para Ernesto Zanata, então presidente do Conselho, e oficializou a sugestão.
- O Governo quer sugerir o novo diretor financeiro da Varig e mais dois conselheiros. Zanata, manda quem pode e obedece quem tem juízo - finalizou José Alencar, que tinha ao lado a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziela Baggio.
A história mostra que não levaram em conta o apelo do Planalto, materializado na voz do José Alencar, e fizeram uma escolha notável.
O problema fica maior quando se passa, messianicamente, a acreditar, no seio deste próprio núcleo de poder, nas mentiras e distorções de realidade promovidas pela mídia sobre o próprio modelo socializante da Fundação. Ninguém a defendeu. Ninguém se manifestou para relembrar. Bastava olhar para o retrovisor, na época áurea, quando a empresa voava em céus de brigadeiro, onde os dividendos eram revertidos para os próprios funcionários. Um modelo de vanguarda e justo. Não se trata de uma empresa cheia de ratazanas, como um dos notáveis chegou a afirmar. Trata-se de uma companhia de herdeiros. Herdeiros de pelo menos quatro gerações que construíram uma das maiores marcas da nossa aviação.
Ao acreditar nas mentiras, insistentemente repetidas, alguns curadores se desdobram em buscar uma solução externa. Procuram dar um choque de ilusória credibilidade para resolver o seu problema pessoal de crença.
Crença em acreditar numa Varig para os variguianos, como pensou Ruben Berta. Onde o trabalho sempre foi justamente remunerado e o lucro socializado em benefício de uma realização pessoal que não é utópica, porque foi, durante cinco décadas, plenamente vivida.
A Varig não é uma empresa sem dono. A sua história é a verdadeira proprietária de uma carteira de ações, que foi destinada por Ruben Berta ao variguiano.
A empresa só tem uma forma de sair deste mergulho escuro e profundo, que só pode durar 180 dias: o variguiano recuperar a sua auto-estima. De saber que ele pode e deve arbitrar o seu próprio destino.
Notáveis são os funcionários dos mais diferentes níveis que mantiveram a empresa viva durante esses últimos anos, mesmo sendo massacrados pela mídia, atropelados pela insensibilidade governamental, com salários atrasados por conta das pressões da Infraero e do Banco do Brasil. Esses são os verdadeiros notáveis e que merecem toda a nossa credibilidade. Os que chegaram agora, e que seguraram o manche sem compreender a companhia e deixaram vazar o precioso combustível do tempo, devem ter mais humildade ao passar pelos portões da Varig e usarem a mesma sala que foi utilizada por Ruben Berta, Erick Carvalho, Helio Schmidt, Fernando Pinto, Osíres Silva e Carlos Luiz Martins.
Devem entender que a empresa ainda tem donos e não relegá-los ao fundo do salão, como fizeram na coletiva, quando não tiveram a sensibilidade de colocar um representante da FRBpar na mesa principal.
A verdade é que os conselheiros receberam um cheque em branco. Mas apenas com uma assinatura. Para sacá-lo falta a assinatura do Colégio Deliberante e o visto do procurador de fundações. Se o clima de empáfia e desdém com o corpo funcional e diretivo se mantiver, dificilmente essas novas assinaturas serão concedidas.
Finalmente, devem explicar ao procurador de fundações e ao próprio Colégio por que desdenharam solenemente as propostas concretas de vários investidores, ignorando opções sólidas e reais para salvar a empresa e fizeram a companhia virar cobaia da Lei de Recuperação Fiscal. Devem explicar principalmente a decisão, confirmada em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, na última quinta-feira, na nova Varig, a Fundação vai ficar com uma pequena participação. Será apenas uma investidora. A nossa proposta é que esse trust seja formado por quatro conselheiros e mais três membros do Conselho Curador. Os quatro conselheiros seriam eu, Omar Carneiro da Cunha, Eleazar de Carvalho e Marcos Azambuja (os três levados para o Conselho por Zylbersztajn). A idéia é a Fundação ficar com apenas 10% da nova Varig. O interessante é que esse novo modelo vai exigir uma estratégia de governança muito forte.
Uma proposta que provoca arrepios, principalmente pelo histórico dos últimos 40 dias. Fica flagrada a formação de uma panelinha, onde se contempla apenas quatro dos nove membros do Conselho de Administração e três dos sete curadores. Os excluídos não são tão notáveis para fazer parte deste time? No mínimo é imoral e só a sua existência serve para desacreditar os proponentes e colocar em dúvida qualquer isenção na condução de um processo transparente de recuperação da empresa.
A exemplo da ampulheta do tempo que ficou vazia, o saldo do voto de confiança interno outorgado, por boa fé, na semana da posse, também está chegando ao fim.
*Presidente nacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, membro do Conselho Nacional de Turismo e presidente do Jornal de Turismo do Rio

Além do Fato: A crise na Varig - Sem tempo para aprender

27.06.05 - Cláudio Magnavita*


Mudança intempestiva de comando e falta de conhecimento dos novos gestores sobre a empresa levam a Varig ao momento mais difícil de sua história
O novo Conselho de Administração da Varig está no meio de uma tormenta. A situação ficou ainda mais grave por eles terem sido colocados intempestivamente no comando da companhia, sem trazer, nos seus quadros, nenhum conhecimento sobre gestão de empresa aérea.
- É como se retirasse o comandante do seu cockpit e o avião passasse a ser pilotado por um dos passageiros, e isso num momento delicado da aproximação de pouso e com o piloto automático desligado - exemplifica um comandante aposentado de 747 que está perplexo com o que está acontecendo na maior empresa aérea do país.
O resultado desastroso seria previsível e resultou na opção da empresa pela recuperação judicial. Se em 60 dias não for apresentado um projeto - viável - 120 dias depois será decretada a falência da empresa. Nesta reportagem, um acompanhamento dos 40 dias nos quais os variguianos foram colocados de lado e a cultura empresarial de 78 anos da companhia foi solenemente desprezada. Foi desperdiçado um tempo precioso que colocou a empresa neste vôo cego e agora escancaram na mídia a possibilidade de assumir, como pessoa física, o controle das ações da companhia.
Quando assumiu a empresa, há menos de 40 dias, o Conselho de Administração da Varig mal teve tempo de compreender com detalhes o gigantismo dos problemas que passaria a enfrentar. Os novos gestores chegaram com uma idéia preconcebida, típica de quem só conhece a administração da empresa pelos jornais e notícias da mídia. Pensavam que estavam desembarcando num grande balaio de gatos, com gestores medíocres e uma tropa carente de comando e agiram como se assim fosse. Se não desse certo, teriam um álibi perfeito para justificar uma abortagem de pouso. A culpa cairia na má imagem da Fundação Ruben Berta que, historicamente, tem sido culpada de afastar qualquer solução. Se desse certo, estariam a bordo de um contrato ad exitum, ou seja, teriam uma gorda participação do negócio milionário que estariam intermediando.
Sorridentes, bem vestidos, celulares em punho, os novos gestores traziam debaixo do braço currículos espetaculares. Um ex-embaixador, um brigadeiro da reserva, um ex-presidente de banco estatal, um ex-presidente de agência reguladora e um ex-dirigente de multinacional. Missão: gerir a escolha dos novos acionistas. Uma missão rápida, curta e com alta chance de remuneração. Quem não gostaria, estando praticamente reformado e afastado do cenário político, de ajudar a decidir os destinos da maior companhia aérea do país? Existiam 10 propostas firmes de novos acionistas e caberia a eles escolher uma ou usar a sua bagagem para atrair outros. Eles estariam resolvendo a escolha de uma proposta e iriam para casa com uma gorda comissão. Um negócio sem risco, rápido e indolor.
O mais prazeroso de tudo isso é que estariam recebendo um mandato pro tempore dos atuais acionistas para resolver um grave problema: o de trazer credibilidade a um processo confuso. Afinal, quem daria um tostão furado à tão mal-falada Fundação Ruben Berta?
Bem-intencionados, os sete membros do Conselho de Curadores da Fundação e também conselheiros de Administração da FRBpar, todos oriundos do segundo e terceiro escalão da companhia, colocaram tapete vermelho para receber os salvadores da Pátria. Como prova de boa-fé, deram carta branca para o novo Conselho de Administração resolver tudo rápido. A companhia não tinha, porém, o seu bem mais precioso no transporte aéreo e para as empresas em dificuldade: o tempo.
Com o presidente-executivo demitido, depois de ter aberto mão espontaneamente da sua imunidade como membro do Conselho Curador, o caminho estava livre para a empresa ganhar um choque de credibilidade. Só que não foi levado em conta o desempenho da gestão guilhotinada - que tinha trazido de volta o lucro operacional - que negociava positivamente com os fornecedores e o fato de a Varig ter apresentado um lucro operacional de R$ 450 milhões que se repetiu no balanço do primeiro trimestre.
Encastelados no poder, o que de verdade o novo conselho de notáveis realizou? E o que de fato aconteceu?
Eles escolheram uma proposta entre as 10 (todas as nove restantes foram descartadas) e todas as fichas foram colocadas em uma só solução. Uma solução que honestamente previa a não colocação de dinheiro. A única entre elas que não colocava recurso.
Mídia agitada, manchetes em jornais, entrevistas e a solução foi apresentada. O grupo de notáveis tinha resolvido enfim o problema da Varig.
Toda a pirotecnia resultou no que? Cadê o cheque salvador? Cadê o congelamento da ampulheta do tempo? O tempo foi implacável.
A sedução de estar sentado no comando de uma empresa de dimensões planetárias, que fatura R$ 8 bilhões por ano, mais do que a Gol e a TAM juntas, foi gigante e houve mudança de rota percebida até em Portugal. Do além-mar, veio a reinvenção do ovo de Colombo. Fruto de uma experiência e conhecimento de causa. Os dirigentes da TAP, experientes no ramo, emprestaram os seus conhecimentos e o ovo ficou em pé. Na mudança de rota, uma perigosa conclusão: se o modelo serve para eles, também servirá para a gente. Uma conclusão notável, mas que para o dirigente de uma companhia internacional passou o sentimento de estarem sendo usados.
Quem quer deixar um emprego glamouroso? E com a chance de se perpetuar no comando de um caixa bilionário e capaz até de virar tutor das ações? No meio disso, ao contrário do que pensavam, descobriu-se uma empresa muito bem gerida, com um corpo técnico primoroso e obediente. A primeira reunião de diretoria durou exatamente 10 minutos. Depois, não houve despachos e compartilhamento de informações de gestões por duas semanas. Os diretores estatutários foram rebaixados ao nível de cidadão de segunda categoria. Perderam o direito de freqüentar o olimpo dos notáveis. Se a empresa vivia e voava sozinha, não vamos nos preocupar com isso. Valorizar o corpo técnico com o compartilhamento de informações ficou fora de cogitação. Nestes expedientes e neste clima, a Varig viveu os 30 primeiros dias da nova gestão.
Os acenos do governo, como foram previamente alertados, não resultaram em nada de concreto. A ampulheta dava os seus últimos respingos. Reuniões e apostas numa Varig onde os credores, principalmente as empresas de leasing, virariam sócios. Como já havia perguntado o Mané Garrincha na véspera da Copa de 58: Tudo certo, mas vocês já combinaram o jogo com o adversário? E eles, os adversários, leia-se os credores, tiveram acesso através da imprensa a um documento onde o plano principal residia no não-pagamento. Eles passaram a rezar para que o plano não fosse implementado. Só assim receberiam. Estava escrito e tornado público.
Mas a empresa continuava voando. O vice-presidente da República, José Alencar, recebe o grupo de notáveis. Limita-se a fazer promessas. Tudo é publicado na imprensa. Mas esqueceram de avisar a Infraero, que impunemente se rebela e descumpre a ordem do chefe supremo. Só voa se pagar à vista. Ou foi insubordinação ou uma forma mineira de dizer não. A BR Distribuidora também desmente um possível acordo. O Banco do Brasil sequer analisou o pleito. O então ministro José Dirceu afirma que a reunião foi uma pura perda de tempo. Até o ministro Antônio Palocci informou ter ido à reunião emprestando apenas os ouvidos e para proteger o tesouro nacional. Foi uma semana de desmoralização notável registrada na imprensa.
As empresas de leasing, assustadas com a formalização do não-pagamento, resolvem se proteger, desarrumando uma conversa de difícil equilíbrio, que tinha como fiel da balança a promessa de devolver os aviões na hora em que fossem solicitados. O acordo de fio de bigode funcionou durante anos - época em que a credibilidade da maior empresa aérea do país estava acima de suspeitas. Até que acontece um fato inédito na história da companhia: as empresas de leasing pedem os seus aviões de volta, entre elas a ILFC e a GATX, e todas iriam pelo mesmo caminho.
A empresa já estava então sem investidor real. Os notáveis passaram a se envolver no dia-a-dia, chegando a centralizar em uma só pessoa a emissão de qualquer passagem de cortesia e de serviço. Se um avião quebrasse em Miami no sábado, por exemplo, o mecânico só poderia embarcar para consertá-lo na segunda, depois da autorização do presidente. O impacto foi tão grande que a companhia perdeu mais de R$ 50 milhões só no operacional.
Mas eles não tinham sido contratados para escolher os novos investidores. Então, por que se envolveram na administração e resolveram esquecer a missão de curto prazo?
Para colocar mais querosene na história, o jornal O Estado de São Paulo publica que um documento foi apresentado aos curadores obrigando a transferência das ações da Varig para uma associação formada pelos notáveis como pessoa física. Ou assinam ou vamos embora, publicou o jornal, sem que ninguém desmentisse a história.
Com um novo colapso institucional à vista, a diretoria executiva se auto-convoca. Não foi motim, eles queriam saber o que estava ocorrendo depois de terem sido ignorados durante semanas. O avião não poderia estolar (perder a sustentabilidade e cair como uma pedra) sem que ninguém fizesse nada. Os variguianos não escondiam o suor frio. Na mesma tarde, com a reunião de diretoria abortada pelo Conselho Curador, parte do colégio se reúne em clima de perplexidade no dia 15 de junho. O que vocês querem fazer com a empresa?, pergunta um dos membros do Colégio deliberante ao colega membro do Conselho Curador.
Não havia solução notável. Havia só a possível. Na iminência do colapso institucional e do levante da tropa, o grupo recém-chegado estava em Brasília naquela quarta, alinhavando a medida que seria apresentada como uma bomba. Pediram até para o ex-ministro Pedro Malan, hoje no Unibanco, ligar para as empresas de leasing. Não tirem os aviões! A empresa não se recuperará do golpe. Era o clamor em toda a companhia.
De Brasília, no próprio dia 15, um telefonema pede para marcar uma reunião no dia seguinte. Eles passearam pelos gabinetes federais e trazem novidades, clamou um dos curadores, pedindo calma à tropa.
No dia seguinte, os notáveis desembarcam na Varig. Trancam-se a sete chaves com a diretoria executiva e o Conselho Curador. Antes, todos assinam um termo de confidencialidade. O pacto é de segredo tumular. Todos desligam os celulares. Naquele momento começa a ser escrita uma das mais dolorosas páginas da história da Varig.
Na mesa, a única alternativa que a ampulheta do tempo permitiu: recorrer à recuperação judicial. Uma viagem sem volta. Um mergulho em pleno vôo. Sem alternativas, com as demais opções descartadas, todos seguem unidos para a única porta de emergência que abriu.
Cadê os investidores, cadê as opções e alternativas apresentadas, que o grupo de notáveis foi convocado para resolver?
Mesmo com a saúde abalada, Harro Fouquet, um dos mais antigos e apaixonados funcionários da empresa e o único remanescente no conselho de administração, apesar de proibido pelos médicos e tendo a sua esposa como anjo da guarda para ajudá-lo nas crises de asma, fica até o último minuto. Nenhum outro compromisso o tiraria daquela missão. Ele faz um emocionado discurso e deixa a reunião direto para o hospital onde acaba ficando internado por vários dias. Alguns choram, outros lacrimejam e muitos fazem uma silenciosa reflexão sobre o que ocorreu.

O Cardeal das Forças Armadas e a Varig

Segunda-feira, 10 de Abril de 2006


A vulnerabilidade da Varig perante um governo assustado e sem saber o que fazer para resolver o problema que há anos está no seu colo desde o dia da posse é absoluta. Antes mesmo de assumir a presidência, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva teve o assunto Varig incluído na sua agenda. De lá para cá o problema só cresceu, sem que houvesse uma expressa vontade política da sua solução.
Na verdade, o governo do PT herdou um problema mais grave, que foi a tentativa de assumir o comando da Varig no apagar das luzes do governo tucano, quando o ex-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, e o economista Mendonça de Barros foram encastelados no Conselho de Administração da empresa. Com a derrota de José Serra, os tucanos foram defenestrados e a Varig ficou entregue aos acenos de boa sorte do novo governo.
Na última sexta-feira, o alto escalão da companhia foi recebido pelo novo ministro da Defesa, Waldir Pires, no seu gabinete na Esplanada dos Ministérios. Antes de atendê-los, o presidente da Infraero, brigadeiro J. Carlos Pereira, foi chamado às pressas pelo novo titular da pasta. Na ante-sala do gabinete, toda forrada de madeira e ilustrada com livros de arte que contam a história das nossas Forças Armadas, os dirigentes da companhia, que entre cafezinhos e água gentilmente servidos por um engravatado garçom, torciam para que uma boa notícia fosse repassada. Estavam presentes: Marcelo Bottini (presidente-executivo), Humberto Rodrigues (presidente do Conselho de Administração), Luiz Vasco (Administrador Judicial), Marcelo Gomes (Alvarez & Marsal) e Delfim de Almeida (diretor da empresa em Brasília).
Na manhã da própria sexta, a presidente do Sindicato dos Aeronautas, Graziella Baggio, já havia passado pelo mesmo ritual, tendo uma primeira conversa com Waldir Pires, deixando a sala encantada com a fidalguia e forma carinhosa do ministro.
Chamados pelo ajudante de ordem o grupo de diretores da Varig se dirigiu ao gabinete ministerial. Waldir Pires, vestindo um terno claro e com um largo sorriso no rosto recebeu o grupo, que ansiosamente aguardava as boas novas. Acomodados na mesa de reunião, a conversa começou de forma afável, com o ministro falando baixo, em tom cardinalístico, gestos educados e preocupado em conhecer o problema dos seus interlocutores.
O Cardeal das nossas Forças Armadas fez logo uma confissão no início da sua fala. “Acabo de chegar e fui colhido por esta tsunami que é o caso Varig. Regressei de um almoço onde toda imprensa me cercava para falar da empresa”, disse.
Marcelo Bottini começou a sua explicação, rememorando a sua audiência com a ministra Dilma Russef, chefe da Casa Civil. Waldir anotava os pontos principais e fazia reflexões sobre algumas questões. Foi uma explicação didática e, ao invés de se obter fatos novos, todos tiveram a sensação, pelas perguntas realizadas pelo ministro, que tudo tinha voltado à estaca zero. Ou seja, o caso teria de ser novamente explicado, passo a passo, até mesmo os acontecimentos que foram manchetes nos jornais, como o caso da venda da VEM para a TAP e da VarigLog para a Volo.
Marcelo Gomes, o representante da Alvarez & Marsal, companhia contratada para gestão da empresa através do Plano de Recuperação, fez uma lúcida apresentação, colocando os pingos nos “is”. A Varig não queria ajuda, queria apenas que a BR Distribuidora e a Infraero enxergassem a Varig como um cliente que precisa de crédito, relembrando todo o histórico da empresa como geradora de caixa para as duas estatais.
A cada 15 minutos, as badaladas do grande relógio que emoldura o gabinete, espartanamente decorado, aumentava a angústia dos interlocutores. Percebendo o interesse do ministro em entender a tsunami na qual está surfando, o administrador judicial, Luiz Vasco, traçou no seu bloco um gráfico, com o organograma da gestão judicial da Varig, deixando ainda mais didático a explicação sobre o processo de recuperação judicial e o papel da Oitava Vara Empresarial no caso.
O ministro relembrou os seus tempos de parlamentar e da sua preocupação com a evasão de divisas, através das remessas de lucros realizadas por empresas estrangeiras, que tomaram o lugar das companhias nacionais. Pires lembrou também a abertura dos nossos céus para a concorrência de grandes empresas aéreas internacionais. Captando as emanações verde-amarelas do titular da Defesa, o presidente do Conselho de Administração, Humberto Rodrigues relembrou o patriotismo da Varig nas suas operações internacionais.
Surpreendeu-se Waldir, com o fato da Varig gerar mais de US$ 1 bilhão por ano em divisas internacionais para o Brasil. Ficou ainda mais surpreso com as informações sobre as vitórias nos processos de defasagem tarifária e ICMS.
As badaladas do relógio continuavam a aumentar a angústia e na porta do Ministério da Defesa já se concentravam duas dezenas de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos, ávidos pelas boas novas que sairiam do encontro.
No final, o pedido de um registro fotográfico do encontro foi paradoxalmente negado por Pires, que argumentou não querer aumentar frustrações, preferindo deixar-se fotografar quando algo de concreto for anunciado.
Os interlocutores deixaram a sala ainda sob o efeito carismático do cardeal das nossas Forças Armadas e tendo de remodular a sua freqüência, que tinha sido colocada em volume máximo, para captar as emanações quase de murmúrio do ex-exilado, ex-governador da Bahia e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Ulisses Guimarães, agora comandando as Forças Armadas, as mesmas que no passado o obrigaram a morar fora do País.
O ritual estava cumprido, a continência ao novo ministro já havia sido batida, restava a diretoria da Varig enfrentar a imprensa, sabendo que as negociações haviam voltado à escala zero. Pela manhã, o próprio ministro já havia revelado a Graziela Baggio que iria procurar o seu antecessor, José Alencar, para tentar compreender ainda mais o que estava acontecendo.
A audiência refletia um quadro muito comum nos últimos meses. Nada de concreto por parte do governo. É como se a crise da Varig não fosse resultado das inúmeras interferências do poder concedente na vida da própria companhia. O governo parece agir como se não soubesse o que fazer. O que a Varig precisa é de definições. O que não pode é viver no limbo de um imobilismo federal, como se a empresa não fosse uma concessão pública. Entre os cadáveres insepulcros da nossa aviação, além da Transbrasil e da Vasp está também o da Panair do Brasil. Espera-se algo concreto e objetivo. O ano é eleitoral e a Varig poderá se transformar em um caso de comoção nacional, esta sim uma verdadeira tsunami capaz de punir aqueles que por omissão e desconhecimento permitiram uma das mais importantes marcas brasileiras no exterior se esfacelar em pleno ar.
Claudio MagnavitaPresidente Nacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, membro do Conselho Nacional de Turismo e Diretor do Jornal de Turismo.

Governo e aviação comercial

União defende solução de mercado, mas não faz sua parte.
Cláudio Magnavita
Gazeta Mercantil 5/5/2005


A Varig está presa a uma rede de paradoxos. O primeiro deles representa um quadro no qual, de um lado, a companhia atinge todos os recordes de pontualidade, apresenta um balanço com lucro operacional de R$ 430 milhões e os seus aviões decolam lotados em direção ao exterior.
Do outro lado, o governo, como poder concedente, não move uma palha para ajudá-la e exige uma solução de mercado para a companhia. Como não sinaliza um mínimo de boa vontade com a empresa, é o próprio governo que dificulta a solução que defende. Sua passividade acaba desmotivando os investidores.
Um outro paradoxo, ainda mais grave, também tem o próprio governo como personagem. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao dar ganho de causa a ação de R$ 3 bilhões da Varig contra a União, no caso do congelamento tarifário, está contribuindo para uma solução de mercado.
Trata-se da correção da interferência do governo federal nas tarifas aéreas durante o governo Sarney. Os aviões, mesmo que decolassem completamente lotados, voavam com prejuízo. A União defende uma solução de mercado, mas não faz a sua parte.
Além de lavar as mãos no caso da Varig, o governo federal está voltando a agir como algoz, colocando novamente a Infraero como seu instrumento de pressão.
Nos últimos dias a estatal voltou a sangrar novamente o seu principal cliente, impondo regras e negociações do passivo, como se desconhecesse o esforço de recuperação que toda a companhia faz - isso mesmo, toda a companhia, já que são os funcionários dos mais diferentes níveis que estão fazendo a sua parte para que a empresa sobreviva.
O governo federal age como se estivesse dividido. É como se metade estivesse pró-Gol e a outra metade estivesse pró-TAM.
É como se o grupo pró-Varig fosse formado apenas pelos funcionários, que mantêm os níveis de eficiência acima do mercado, e pelos passageiros que, fidelizados pelos excelentes níveis de segurança e confiabilidade da companhia, não abrem mão de um vôo tranqüilo e pontual.
Finalmente, o paradoxo maior é criado também pelo próprio governo, ao afirmar publicamente que "não há crise na aviação brasileira" e que "se ela existe, é de uma única empresa, a Varig". A afirmação é fruto de uma miopia de realidade e parece beirar a irresponsabilidade.
Se os R$ 8 bilhões faturados pela Varig em 2004 representam 62% da receita de todas as companhias aéreas brasileiras, se o faturamento da Varig é superior ao da TAM e da Gol juntas, se a companhia detém 82% dos vôos internacionais das empresas aéreas brasileiras, fica no ar uma questão: a crise na Varig não é uma crise na aviação comercial brasileira?
O governo tem de agir e parar de sinalizar ao mercado que só consegue enxergar a crise através da ótica das duas empresas que concorrem diretamente com a Varig e não negam o seu apetite em ocupar o seu lugar.
O governo Sarney foi condenado anos depois por ter congelado as tarifas e o governo Lula poderá ser, no presente, condenado por ter criado o maior colapso da história da aviação comercial brasileira.
kicker: O governo federal age como se estivesse dividido. É como se metade estivesse pró-Gol e a outra metade estivesse pró-TAM
Cláudio Magnavita - Presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e membro do Conselho Nacional de Turismo.

Varig e o tom fatalista na imprensa

(Gazeta Mercantil - Opinião - 26/4/2006)

26 de Abril de 2006 - Quem voou pela empresa nos últimos dias não acredita em alguns meios. Nunca uma empresa privada foi alvo de campanha e de manchetes tão violentas levadas a efeito simultaneamente e de forma sincronizada em defesa do fim da companhia e dos seus quase 10 mil postos de trabalho.
Será necessário que o mundo acadêmico analise o comportamento de tantos meios da imprensa brasileira no caso Varig. Neste cenário, o professor Alberto Dines, um dos mais respeitados jornalistas brasileiros e que nos últimos anos tem analisado sem dó nem piedade o comportamento da nossa mídia, encontrará muita matéria-prima para o Observatório da Imprensa, que foi um projeto original do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e hoje é mantido pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor).
Que tanto mal teria cometido a Varig para ser alvo de tamanha fúria? O jornal O Estado de S. Paulo defendeu, em editorial, o fim da companhia. A revista Veja elencou razões para o governo não ajudar a Varig. A Folha de S. Paulo chegou a anunciar o fim da empresa. O gaúcho Zero Hora deixou de lado o bairrismo e também decretou o fim próximo da sua conterrânea. Era como se todos torcessem para que o fim chegasse logo e houve até jornal que, em tom de obituário, resolveu contar a história da Varig no seu site. O mais grave é que, por ter os grandes jornais serviços noticiosos que alimentam a imprensa de todo o País, essas matérias ganharam espaço em dezenas de outros jornais no Brasil. Não obstante a "morte anunciada" nas manchetes, a empresa continuou voando, com aviões cheios, passageiros cativos e atendidos por cordiais tripulantes.
Por que tanto pessimismo e disposição de colocar a Varig no chão? O pior é que, por ser uma empresa privada e que depende do fluxo de passageiros, as próprias manchetes poderiam ter contribuído para se transformar em realidade. O sensacionalismo da mídia poderia ter provocado uma corrida, afastando de verdade os passageiros e iniciando um ciclo de sufocamento.
Num primeiro momento, o susto realmente aconteceu e a engrenagem quase foi travada. Não apenas o mercado ficou assustado com o noticiário – também o corpo funcional ficou abalado. Foi a primeira vez que a companhia sentiu solavanco tão forte na sua receita e no seu horizonte. Afinal, a morte da Varig era anunciada com dia e hora marcada. Quem imaginaria que a imprensa brasileira seria tão irresponsável a ponto de assumir tal postura? A credibilidade inicial das manchetes foi se evaporando com o passar do tempo.
O passar dos dias ajudou a superar a morte anunciada. De quinta pulou para a semana seguinte, e o fim não chegou como torciam os mórbidos jornalistas. Os primeiros acenos não vieram de Brasília, como se esperava, nem de nenhum entreposto do poder concedente. Pelo contrário, o governo federal jogou mais lenha na fogueira. A reversão do quadro se deu com uma corajosa postura do juiz titular da 8 Vara Empresarial, José Roberto Ayoub, que reuniu a imprensa e, ao contrário do que os repórteres nervosamente esperavam, não anunciou o fechamento da empresa, mas que tudo estava normal e que a Varig era viável. Na ante-sala do juiz, um jovem e nervoso advogado da BR Distribuidora, tremendo perante uma avalanche de microfones, anunciava que a estatal não iria dar prazo. Entre as palavras de bonança do experiente juiz e os comentários do jovem advogado, boa parte da imprensa preferiu dar sua manchete para a notícia ruim. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também fez sua parte com as palavras tranqüilizadoras do seu presidente, Milton Zuanazzi.
Neste contexto é necessário fazer justiça ao variguiano, o corpo funcional da companhia, que, mesmo vendo sua poupança previdenciária evaporar com a liquidação do Aerus e com os salários atrasados, está dando uma aula de civilidade e de amor à empresa. Todos estão unidos, trabalhando de forma ordenada e não deixando as manchetes virarem realidade. São poucas as companhias que possuem funcionários tão dedicados e fiéis – eles demonstram amor verdadeiro à estrela brasileira que colocam no peito. Quem voou na Varig nos últimos dias não pode acreditar nas manchetes. Os vôos saíram nos horários, o serviço de despacho foi atencioso, as bagagens chegaram, e tudo funcionou como sempre. Todos trabalhando com uma tremenda boa vontade. Quem desembarca contente de uma viagem com aviões cheios questiona na hora: por que tanta raiva da companhia?
A aviação que corre nas veias dos variguianos é patriótica e tem a cor verde-amarela. O refluxo das notícias positivas já voltou a acontecer e alguns veículos começaram a rever seu ponto de vista, procurando fazer-lhe justiça. Os passageiros mantiveram-se fiéis. Quem perde é a credibilidade da imprensa alarmista, que utiliza o poder das manchetes para crucificar sem nenhum remorso um dos símbolos internacionais do Brasil. Faltam-lhe patriotismo e amor à soberania dos fatos. A imprensa brasileira vive uma crise epidêmica, na qual toda uma geração parece compreender que só existe compromisso com o fatalismo e a necessidade de transformar a desgraça alheia em manchete, sem se importar com os sofrimentos e prejuízos que possam causar.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3)
(Cláudio Magnavita - Presidente nacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do "Jornal de Turismo")


Um horizonte que ainda não percebemos


REPORTUR - Jornal de Turismo
Cláudio Magnavita*

Estas linhas estão sendo escritas em plena travessia do Atlântico. Estou a bordo do avião de uma empresa européia que, por ironia do destino, é comandada por quatro brasileiros que no início deste milênio comandavam a Varig.
Neste espaço do Planeta Terra, durante cinco décadas, as constelações que brilharam no céu tiveram como companhia diária pelo menos uma dezena de estrelas brasileiras que cortavam a noite transportando brazucas e, na sua fuselagem, além do mitológico Ícaro, uma bandeira verde-amarela identificando a origem dos aviões da Varig. Neste dia 17 de outubro de 2006, apenas um único ponto de luz estará fazendo a mesma travessia, trata-se do MD11, que valentemente tem unido o Brasil a Frankfurt, a única rota da companhia a atravessar o Atlântico.
No solo europeu dezenas de lojas estrategicamente localizadas - e que juntas geravam mais de 100 milhões de dólares de receitas por mês - estão fechadas. Funcionários treinados durante décadas e com um network para negócios estão de braços cruzados.
Apesar de todo o capital que está sendo investido na tentativa de manter a marca viva, o cenário é bem diferente do de apenas dois anos. Numa noite como esta, teríamos, além de Frankfurt, vários outros vôos: Paris, Londres, Lisboa, Amsterdã, Munique, Copenhague e Roma. Teríamos no mínimo duas mil almas voando sobre a proteção da Estrela Brasileira.
Mas que país é o nosso que permite que esta constelação se apague, que ignora a sua importância como fator gerador de divisas e de riquezas? O Brasil é um país excepcional. Nosso hino canta a nossa riqueza e pujança, mas nossos dirigentes comandam há décadas a nação como se pilotassem o tratorzinho de um sítio onde se planta só bananas.
Deixamos que a Varig parasse de cruzar os céus do mundo. Numa noite como essa, outras estrelas estariam indo para Miami, Nova York, México, Los Angeles e Toronto, só para continuarmos no Atlântico Norte. Não se trata apenas de aviões transportando pessoas, eles são apenas a parte mais visível desta gigante operação que envolve infra-estrutura aeroportuária, centrais de reservas, lojas e equipes de vendas mundo afora. O Brasil está perdendo tudo isso. Perdendo uma cultura de vender o País no exterior. Se as lojas da Varig eram as nossas embaixadas extra-oficiais, perdemos uma importante rede de diplomatas do turismo e dos negócios.
As linhas poderão até ser repassadas para neófitos, mas dificilmente a cultura e o enraizamento em cada mercado serão os mesmos. É só ver o que aconteceu com a Transbrasil, a Vasp e agora a TAM no exterior. Perdemos as cores verde-amarelas nos aeroportos principais e achamos tudo isso muito bom. Não temos vergonha. Podemos continuar voando nos polidos aviões da American Airlines ou nas fidalgas européias como se estivéssemos em casa. Afinal, somos cidadãos do mundo e não nos importamos que todo o recurso desse transporte seja enviado para pagar salários e manter empregos no exterior, afinal, somos um país rico e globalizado.
Para compreender o que aconteceu com a Varig e o suplício que beirou a tortura chinesa (sem trocadilhos) que ela enfrentou, é só reler os artigos que publicamos nos últimos anos. Relatamos as diferentes tentativas externas para saquear e/ou destruir a empresa e a brava resistência da Varig e dos variguianos aos ataques que vieram de todos os lados. No final, estes ainda tentam segurar no chão a nossa estrela.
Olho para o céu na tentativa de ver o derradeiro vôo da estrela brasileira e, ao contemplar a imensidão do universo, mantenho a esperança de ver de volta o brilho verde-amarelo nesta noite estrelada. Envergonhado, fecho os olhos pensando nas dezenas de rostos de tolos patrícios que reduziram toda esta constelação a uma só e valente estrela nesta travessia do Atlântico.

Cláudio Magnavita é presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo (Abrajet), membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo.

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