quarta-feira

Colapso da TAM - Uma companhia aérea sem dono é como uma aeronave sem piloto

Uma perigosa equação se formou no coração da TAM arranhando a sua imagem e colocando a companhia em confronto direto com a filosofia do seu fundador, o comandante Rolim Adolfo Amaro. Nunca, na história moderna da aviação comercial mundial, uma empresa líder passou por um colapso operacional similar. As atenções do mercado e dos especialistas se voltaram para tentar entender como uma empresa líder em seu setor, com uma frota de quase 100 aeronaves, consegue gratuitamente, hostilizar os seus passageiros e colapsar os seus serviços no ponto crítico que a TAM conseguiu às vésperas do Natal.
Os acionistas majoritários da empresa são os herdeiros diretos do comandante Rolim. Muito mais do que zelar pelo seu patrimônio, têm o dever de zelar pela manutenção dos princípios que transformaram a TAM em um sucesso comercial, igualmente sem paralelos, na história da aviação mundial.
O papel do proprietário deve ser exercido e para isso a Dona Noemi Amaro e os filhos Maurício, Maria Cláudia e Marcos foram devidamente preparados pelo comandante Rolim ainda em vida. Um dos sinais do início deste colapso foi a tentativa seguida de promover a profissionalizar uma gestão sem a presença da figura do líder ou do dono. Reeditou-se o mesmo erro da Varig, que por anos foi uma empresa à deriva, sem a presença do rosto do proprietário.
A TAM foi construída tendo como base a competência, o tino comercial e, principalmente, o carisma do comandante Rolim. Ele era, sobretudo, um exemplo para os empregados e fazia isso com uma primazia nata, sem carregar em doses teatrais. Era natural o seu ímpeto de pegar um papel no chão, de cumprimentar um passageiro na porta do avião em plena alvorada. Se as suas largas risadas ainda ecoavam, o mesmo poderia se dizer dos seus “pitos” e da rudeza dos seus enquadramentos quando os mais leais colaboradores pisavam na bola. Enquadrava, mas perdoava. Dava pelo menos uma chance. Porém, era duro e não permitia a repetição contumaz do erro.
Logo após o seu falecimento, a TAM passou pela sua segunda grande crise. A primeira foi o fatídico vôo 402 e a sórdida campanha que se urgiu tentando grudar o selo de “companhia aérea mais insegura do mundo”, atribuído por uma fantasiosa Air Travel Association (ATA). Tal campanha foi implodida por um artigo que assinei no The Brazilian Post e transcrito pelo comandante Rolim, simultaneamente nos maiores jornais brasileiros. Na segunda crise, que teve Daniel Mandelli à frente da empresa, a conjuntura do mercado e as graves influências do poder concedente foram aliviadas com ações corajosas como o code-share com a Varig. Com isso, a empresa fez um doloroso dever de casa.
A saída de Mandelli foi também a perda do jeitão afetuoso e da figura do líder da própria companhia. O atual presidente, Marco Antonio Bologna, agora neste cargo, não chegou a ocupar este espaço, tanto que durante toda a crise no Natal, não houve nenhuma exposição pública do gestor principal da empresa, sendo o fardo de falar com a imprensa delegado ao diretor Paulo Castello Branco.
Como presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), Marco Antonio Bologna acabou tendo uma posição dura no início de dezembro contra o Governo Federal e recebeu o troco do próprio poder concedente na proporção da acidez das suas posições. Para a TAM foi um momento muito infeliz, o de ter o seu executivo maior na dupla função de presidente do Snea e da companhia. Dias depois, Bologna teve de engolir calado a ordem presidencial de embarcar os passageiros da empresa nos sucatões da FAB. Só este fato é de absoluta desmoralização pública.
Os especialistas em comunicação, além de notar a ausência do dirigente maior, notaram que até nos comunicados pagos em horário nobre das televisões, faltou um ingrediente básico à TAM e que era a marca de Rolim: a humildade. Em nenhum momento a palavra DESCULPA foi utilizada. Aliás, só no fechamento desta edição um pedido de desculpas finalmente apareceu numa mensagem do presidente no site da companhia. Antes tarde do que nunca... No entanto, já estava cristalizada a soberba, que não faz parte do DNA da família fundadora da empresa. Durante a crise da Varig, o mercado já havia identificado uma arrogância da TAM, materializada no aumento dos preços das passagens e no endurecimento das negociações sobre comissionamento com os agentes de viagens.
O afastamento da equipe de dirigentes escolhidos pelo próprio fundador e o afastamento gradual dos amigos e pessoas que contribuíram historicamente para o crescimento da empresa e até o visível esvaziamento das funções de Wagner Ferreira, vice-presidente comercial, - que foi milagrosamente preservado da crise natalina por estar fora do país (Wagner sempre foi um guardião dos princípios da família Amaro dentro da empresa), contribuíram para o desequilibro e o colapso que a TAM passou. Não houve interna e externamente uma rede de solidariedade em torno da companhia. A TAM ficou sozinha por conta do nariz em pé dos seus executivos.
Para o bem do país, a TAM tem que voltar a ser a TAM do comandante Rolim. Tem que fazer valer a sua filosofia empresarial. Tem que ter a humildade de pedir publicamente desculpas à nação, ao poder concedente, à cadeia produtiva do turismo e principalmente ao passageiro. O célebre tapete vermelho deve voltar a ser um referencial de reverência ao usuário e perder a coloração de “vermelho da vergonha” que passou a ter nos últimos dias. Cabe aos acionistas majoritários reestabelecer as bases que fizeram da TAM a empresa que foi a razão de viver do comandante Rolim Adolfo Amaro.


Cláudio Magnavita é presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo (Abrajet), membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo.