quarta-feira

Misterioso poder que embriaga o bom senso

Cláudio Magnavita

Os sinais externos de que algo de estranho estaria acontecendo na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já estavam sendo emanados. A nova direção acabou com o processo de transparência de publicar a íntegra da ata das reuniões de diretoria. Passou a adotar somente as súmulas, encobertando um quadro curioso no processo de votação, que sempre resultava no placar de 5 a 0 ou de 4 a 1.

No seio da agência apareciam sinais de que havia uma cabeça pensante. Trata-se do brigadeiro Allemander Pereira, ex-dirigente do antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) e uma das pessoas com maior conhecimento técnico no atual quadro da agência. Foi o primeiro diretor nomeado da atual diretoria e responsável pelo processo de sucessão da agência, estabelecendo uma relação cordial e educada com o presidente que saía, Milton Zuanazzi.

Vivenciando a era Solange Vieira, o brigadeiro Allemander passou a viver o seu inferno astral, principalmente pela agência ter sido ocupada por fiéis cordeiros, que só dizem amém aos caprichos da nova presidente. Um episódio marcou o clima de arrogância que passou a imperar na nova Anac. É um fato que já virou folclore dentro da caserna. O brigadeiro entrou na sala da presidência, e ela, de cabeça baixa, sem olhar para o visitante disparou: "Brigadeiro, eu não me lembro de ter mandado lhe chamar...". Educadamente ele deu meia volta e saiu para registrar entre os amigos um ato de profunda descortesia e deselegância.

É neste mesmo diapasão que a agência ameaça colocar em risco a aviação brasileira ao permitir mergulhos perigosos, como o de liberar as bandas tarifárias, a partir de 400 dólares, para os vôos para a Europa e Estados Unidos. Neste caso, não será semelhante ao que ocorreu no Cone Sul, onde as companhias se nivelam. Do outro lado da linha estão empresas que não dependem dessas rotas. O Brasil representa menos de 1% do faturamento da American Airlines. Ela pode se dar ao luxo de voar com prejuízo nesta rota que não irá quebrar. Já uma empresa brasileira, que tem nos vôos para os EUA a coluna vertebral do seu faturamento internacional, pode afetar duramente a sua saúde se voar no vermelho.

Nas rotas para Europa, a portuguesa TAP e a brasileira TAM serão duramente prejudicadas. Já Air France, Lufthansa e British Airways, que possuem o lucrativo tráfego do Atlântico Norte, podem voar com prejuízo para o Brasil, só para ganhar mercado.

Para que haja liberdade tarifária, que todos num primeiro momento tendem a ser favoráveis, tem que haver condições iguais de competição. Os custos de leasing, de seguro e até de combustível para as gigantes são bem diferentes do que para uma empresa que possui um pouco mais de 100 aviões.

Em plena crise da VarigLog, a Anac se mantém perigosamente omissa, permitindo que um estrangeiro esteja à frente, pela primeira vez, de uma companhia aérea brasileira. A empresa brasileira vê os seus clientes estão sendo transferidos de forma vampiresca para a Arrow, a companhia americana de carga da própria Matlin Patterson, que deverá assumir os vôos da cargueira para Miami. Não há um fiscal preocupado em defender o interesse nacional. O que se fala agora é que vai se permitir a cabotagem para as internacionais de carga, que poderão vender e transportar carga dentro do país.

Além de abrir o Brasil ao transporte de carga por estrangeiros, a Anac resolveu indicar para a representação permanente do Brasil na Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), principal entidade do setor, com sede no Canadá, uma polêmica figura: Alex Romera (o autor da incestuosa Feira Anac). Mesmo sem ter fluência nem em inglês e nem em francês, ele ganhou o bilhete premiado para morar em Montreal. Romera foi defenestrado da Defesa pelo então ministro José Alencar, depois de ter tentado impor, junto com a sua grande amiga Denise Abreu, uma medida provisória para dividir a Varig entre a TAM e a Gol. Ex-diretor da Embratur no Governo do PSDB, Romera é um caso raro de sobrevivência. Já na área militar, coleciona pelo menos uma centena de fatos que demonstram a sua reconhecida "competência" e brasilidade.

A beleza magnética de Solange Vieira, que já está sendo considerada a musa das agências reguladoras, tem tido um poder quase hipnótico no ministro Nelson Jobim, que se dobra aos caprichos e ao charme da auxiliar, atendendo a todos os seus pedidos. Houve até a tentativa de Solange manter sob a sua asa o comando da Secretaria Nacional de Aviação, comandada pelo brigadeiro da ativa Jorge Godinho, que diplomaticamente soube frear as ingerências que quase o tornam motivo de piada na caserna.

Se o brigadeiro Allemander deixar a Anac, o país perde um importante contraponto, que tem sido vital para a existência do bom senso dentro da agência. Será a vitória de uma força inexplicável, capaz de amolecer corações e corroer um setor que agora vive sobre a ameaça do endeusamento ao capital e à presença estrangeira.