quarta-feira

Feira da Anac expõe a falta de cuidado ético

Cláudio Magnavita,

Jornalista

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) criou um perigoso plano de vôo para comemorar o terceiro aniversário. A agência permitiu que uma empresa de organização de eventos iniciasse um trabalho de captação de patrocínio visando a arrecadar fundos para a realização da 1ª Feira Anac de Aviação Civil e que o universo abordado fosse exatamente as companhias aéreas e empresas aeronáuticas subordinadas às ações de fiscalização da agência. E o que é pior, que fossem procuradas empresas em formação que dependem 100% de autorizações e certificações da Anac.

Questionada sobre este procedimento, a assessoria de imprensa da agência não apenas confirmou que houve este processo de busca de patrocínios como emitiu a seguinte nota oficial: "Muitas empresas, de dentro e de fora do ramo da aviação civil (como, por exemplo, bancos), foram convidadas a apoiar a 1ª Feira Anac de Aviação Civil. Este apoio não está condicionado a qualquer forma de vínculo que represente favorecimento ou descumprimento de disposições regulatórias em prol da empresa apoiadora ou de qualquer outra pessoa jurídica envolvida".

O levantamento de R$ 270 mil (a Anac participará apenas com R$ 30 mil da verba necessária para o evento) só teve resposta positiva das empresas que umbilicalmente dependem de uma política de boa vizinhança com a agência: as companhias aéreas, uma empresa de táxi aéreo, um fabricante aeronáutico (que depende da homologação de aeronaves) e, pasmem, uma empresa recém-criada, que só em 12 de março entregou o contrato social para apreciação da agência e que as autorizações que receberá representam a diferença entre a vida e morte.

Por que será que não houve a resposta de nenhuma outra empresa ou instituição financeira? Para um conhecido diretor de marketing, dificilmente cliente do mercado aceitaria livremente associar a sua marca a uma sigla que foi demonizada pela mídia durante meses e que esteve no alvo de um tiroteio político.

Afirmar que "este apoio não está condicionado a nenhuma forma de favorecimento ou descumprimento de disposições regulatórias" não responde ao próprio fato de o estabelecimento de uma relação constrangedora do surpreendente pedido, que pode transformar o "não" a uma solicitação de patrocínio em um fato político. Só que o "sim" também gera um fato político, neste caso uma política de boa vizinhança.

O caso mais grave é o da futura companhia aérea do empresário David Neeleman – que ainda está constituindo a sua empresa no Brasil – que recebeu indiretamente o beneplácito público da agência de aviação civil, colocando no seu próprio site oficial o avião-logo da empresa como patrocinador. A companhia, ainda virtual, ganhou a chancela oficial da própria Anac, ao ser incluído num grupo de logotipos em que estão as maiores empresas do setor, junto com a marca da própria Anac, da Infraero e de companhias aéreas que já operam regularmente.

São queimaduras graves no currículo da Anac. Esta última de terceiro grau, sinaliza ferir qualquer principio ético e, se fosse apreciada pelo Conselho Ético da Presidência da República, poderia sofrer censuras públicas. Não existirá prestações de contas públicas e nem auditoria externa que beatifique este tipo de descaso entre o moral e o imoral. Erro não está na execução do projeto da feira de aviação, que tem os seus méritos de relações públicas, mas está na forma de sutil coação que abriu cofres dos patrocínios.

O mais grave de tudo é o momento delicado que a aviação comercial vive, com um juiz de São Paulo constatando em sentença que houve a burla do Código Brasileiro de Aviação e permitir que um empresário estrangeiro assuma o comando de uma empresa aérea brasileira na mesma semana que este mesmo grupo empresarial leva a Ata Airlines, nos Estados Unidos, à concordata, paralisando subitamente 50 vôos e demitindo 2 mil funcionários. A Anac não moveu nenhum dedo no sentido de contestar a burla e o limbo jurídico que a VarigLog foi submetida. Ocupada, na certa, com os festejos do seu terceiro aniversário, que será comemorado com uma feira onde a promiscuidade entre fiscalizado e fiscalizador, além da inédita relação de proximidade entre outorgado e outorgante, estarão expostos a um evento que nasce com erros morais.

Dessa forma, parece que a agência pensa cada vez mais de forma caipira e tupiniquim, onde fazer uma quermesse é a melhor coisa que surge na agenda atual dos seus dirigentes, enquanto a aviação comercial vive um quadro de constrangimento cada vez mais profundo e não tem mais para quem reclamar.

Os estragos que estão sendo cometidos por esta Anac, que já começa a corroer os próprios quadros técnicos, levarão pelo menos 10 anos para serem recuperados. A sociedade e o Poder Legislativo precisam reagir, principalmente quando as ações podem sinalizar que foi abandonada qualquer barreira de moralidade e ética no seio de uma agência que deveria fiscalizar e evitar criar relações de questionamento ético e moral.