terça-feira

Uma perigosa passividade no fim dos vôos da Varig para a Argentina

Ninguém do trade reclama e Itamaraty se mantém inerte sem atentar para a quebra do princípio da reciprocidade

O Governo Federal, em todos os assuntos referentes à Varig e ao processo que envolveu a recuperação judicial da companhia, tem ficado atrelado a um imobilismo assustador. A suspensão dos vôos da companhia para a Argentina, realizada de forma unilateral pelo governo do país vizinho, não gerou nenhuma reação da diplomacia brasileira, que não foi ainda capaz de reverter uma decisão que teve vários diferentes motivos e que vem trazendo prejuízo para as duas nações.
Foi um decisão unilateral e que mereceria uma reação enérgica imediata, que poderia ter sido a penalização, dentro das regras do acordo bilateral, das freqüências da empresa argentina que voa para o Brasil. Um cálculo simples: se o governo argentino suspende os vôos da Varig e eles equivalem a 30% da cota de cada país, as Aerolíneas Argentinas deveriam reduzir os seus vôos na mesma equivalência. Esta é uma fórmula dura que poderia ter sido aplicada pelo brigadeiro Eliezer Negri, superintendente de Relações Internacionais da Anac e um dos nomes cotados para ocupar a diretoria da empresa. O ministro Nelson Jobim poderia encampar esta nova cruzada, que se encontra completamente órfã.
Penalizar a Aerolíneas seria uma ação extrema, que também traria prejuízos para o turismo dos dois lados. A Argentina é o maior emissor de turistas estrangeiros para o Brasil, da mesma forma que somos os seus maiores emissores de turistas internacionais. Perder uma transportadora, que realizava dez freqüências diárias multidestinos em cada trecho da rota, é estrangular o fluxo de turistas para os dois lados.
A Varig foi abatida por uma pressão sindical, que em um ano eleitoral ganhou força e que envolve uma indenização de 104 funcionários da antiga Varig, que, no caso da transferência da empresa velha e na admissão da nova VRG, gerou uma indenização não superior a US$ 400 mil. Esta conta ficou no limbo do processo de transição. Eles receberam salários em dia e o que se discutia era a transição dos empregos de uma empresa para outra. É só nestas horas que aparece a indenização trabalhista, já que as vagas foram asseguradas. No processo de colapso da própria Varig, os funcionários antigos pediram demissão e foram afastados mediante acordos indenizatórios, que foram quitados pelo fôlego que restava da operação internacional. O quadro funcional é de contratados com poucos anos de empresa, que agora ficam sem indenização e agora correm o risco de até perder o emprego definitivamente pela paralisação da empresa.
O motivo, não divulgado, para paralisar as operações e encobrir a pressão sindical, teria sido a inexistência de uma apólice de seguros. Foi por este motivo que se reduziu o número de assentos oferecidos na rota entre o Brasil e a Argentina, promovendo aumento substancial das tarifas e redução de assentos. Só a receita cessante das vendas realizadas pela Varig na rota, faz com que os lados acumulem prejuízos superiores a 20 vezes o que é obtido no ingresso de divisas trazidas pelos turistas.
O mais curioso é que as autoridades responsáveis pela gestão governamental da aviação na Argentina têm as suas origens nos movimentos sindicais, o que foi revelado pela radicalização da posição. E a medida foi tomada depois de alguns avisos e de um ultimato que não levou em conta os aspectos da balança comercial e do turismo.
No setor indústria do turismo, os protestos são tímidos, nos dois lados, principalmente quando se esperava uma reação diplomática na altura da violência cometida. Tudo segue como antes, sem nenhuma pressão e como se fosse absolutamente normal.
No Brasil, as operadoras que apostam em venda para o mercado argentino estão desesperadas. Sem contar com a Varig, a maior delas, em plena véspera do feriado de 7 de Setembro, não sabia como embarcar 80 passageiros para Buenos Aires, nem como obter acomodação aos congêneres, até mesmo na co-irmã da própria Varig.
O trade espera o reaquecimento das rotas de longa distância da Varig para a Europa, principalmente para irrigar o Carnaval e o Fim de Ano, mas o atual cenário deve resultar em um incremento de estrangeiros para o Brasil. Como não existem lugares nos aviões, perderemos uma operação para a Argentina e ninguém reclama. Só o Rio, perdeu dois vôos diários para Buenos Aires. Querem uma missão impossível? Conseguir um lugar do Rio para Buenos Aires nos próximos finais de semana. Quando se consegue, a tarifa já chega a três vezes ao que era praticada em maio.
A Gol, como proprietária da nova Varig, não pode honrar os compromissos da antiga empresa sob o risco de firmar jurisprudência e com isso desencadear uma sucessão de ações indenizatórias. O mercado assiste passivamente e as autoridades brasileiras, que durante tantas outras ações como o caso do visto, defende a reciprocidade, fica passiva e calada, como se tivéssemos culpa e merecêssemos uma advertência dos nossos irmãos portenhos.
A passividade da diplomacia brasileira neste caso é irritante. O Itamaraty não se meteu como devia nesta questão e a própria sociedade aceitou passivamente a atitude unilateral argentina, que agora atravessa um período eleitoral e é bem sensível as esses rompantes nacionalistas. O mais grave é que ninguém fez as contas de quanto estamos perdendo e de como ficaram estranguladas as ligações com nosso principal destino turístico e, principalmente, com o nosso principal país emissor.
Quando os vermelhos começarem a aparecer nos balanços é que se dará conta do que aconteceu. Aí, teremos que chorar sobre o ocorrido e será tarde demais. Deixe a alta estação chegar e veremos que voar para a Argentina ficará mais caro do que voar para Miami.
Cláudio Magnavita é presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo (Abrajet), membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo